quinta-feira, 3 de maio de 2012

Guardados de afeto

"Dia das mães? Dia dos Pais? Pra comemorar? Vamos comemorar o dia da Família."

Essa discussão  permeada por questões comerciais, políticas, pedagógicas, costumeiras ou como queiram chamar ...fez e  faz parte de muitas  discussões e reuniões ao longo da minha carreira docente. Não é coisa nova. Aliás, nem precisaria existir tantos discursos se na sociedade em que vivemos pai, mãe e família fossem de fato prioridade.

A sociedade mudou, a família mudou e  a escola tem que mudar. Concordo. O que ainda me leva a momentos de reflexão é a essência da mudança. Celebrar datas não deveria ser a essência, mas sim os valores. Festejar para consumir não contribui na formação de crianças e jovens de forma positiva.

Confeccionar pequenos cartões e recados para as pessoas da família poderia ser prática cotidiana. Estamos carentes de afeto e consequentemente de demonstrações desse afeto. Presenciamos manifestações de muitos desafetos, basta ligar a tv, olhar pela janela do carro, ler os jornais.

É necessário cultivar o que é bom, que faz bem a alma. Pensando nisso, abri meus guardados (leia este outro post) para dar forma as minhas ideias. Lembranças que nutrem a vida da gente e que muitas vezes foram produzidas no espaço da escola e que se perpetuam em nossa casa e vida cotidiana.

Afetos guardados para sempre


Nesse contexto compartilho um texto precioso que tive o contato via Jornal Estado de Minas  em abril de 2003. Guardo o texto original, folhas amareladas que traduzem a essência de que o "velho" deve ser guardado, preservado, mas depois pode ser compartilhado. Transcrevo o texto de Fernando Brant.Jornalista mineiro que admiro e que gentilmente compartilhou por email o que agora transcrevo. Desde já agradeço ao autor pelo gesto de partilha.

Compartilho o texto  como convite para que cada um leia e pondere : Qual tem sido o espaço e a essência da família? Como andam nossas demonstrações  de afeto?
Boa leitura e se puder deixe seus comentários. Abraços carinhosos....

          OS GUARDADOS DE MEU PAI.
É uma sorte ter um pai como eu tenho. Não o considero coisa rara pois me acostumei a conviver com o tipo de gente que ele é. Ele e minha mãe.
Sempre muito organizado e justo, foi melhorando a cada pedaço de tempo que foi vivendo. Viver é ir-se aperfeiçoando, crescendo em humanidade. Ficou uma fera quando chegou o tempo da aposentadoria compulsória. Se iria continuar recebendo, o certo era continuar trabalhando. O serviço público prescindir da experiência e do conhecimento que adquirira parecia-lhe insensato. Mas assim é a vida e ele teve que continuar criando projetos existenciais por conta própria.
Pai de dez filhos, pai de onze porque a caçula durou pouco, ele foi colecionando, ao longo do tempo, os pequenos pedaços da história de cada um deles. Para cada um, uma pasta. Resolveu, recentemente, distribuí-las aos personagens. Recebi a minha na última semana.
Todas as reportagens sobre minha trajetória estão lá. Carinhosamente, ele coletou tudo que se escreveu a meu respeito e que ele teve conhecimento.
Mas o toque mais fundo, o que estraçalha de emoção a alma, são os    
boletins, as carteiras de estudante, os flagrantes do rapaz que eu fui e que ele guardou para que eu possa, hoje, ter uma noção dos meus primeiros passos. E poder avaliar se o que eu sou corresponde ao que eu era e prometia ser.
Na caderneta de estudante, minha mãe avisava que havia motivo justo para que eu chegasse atrasado ou faltasse à aula. Sua letra, aquela belíssima letra que todas as mães professoras tinham, redondamente afirmava ao colégio que a família estava ciente da trajetória do filho.
O convite de formatura do ginásio, com os nomes de todos os colegas em ordem alfabética, me transporta para salas de aula, recreios de bola de meia, padres neuróticos e uma meninada que poderia ter sido mas não sei se foi. Já o da Faculdade de Direito traz à memória o fato de que o Hildebrando foi o orador da turma, pequeno e audaz como sempre.
No meio dos guardados de meu pai, uma carta que escrevi para eles quando estava me acostumando ao casamento, no tempo em que eu tinha a idade para ser, hoje, irmão do meio de minhas filhas. “ Tudo legal na Ilha Grande, ou Abraão- que é assim que eles chamam a cidadezinha onde fica a casa em que estamos. Um dia chove, outro faz sol: mas é bom, pois assim a pele vai se acostumando. 150 praias e 80 cachoeiras existem ao longo da ilha – é o que me disse um interno do presídio. Não sei se é verdade, pois até agora só conheço uma, em frente à casa em que estamos, bonita, calma, larga. Nos quintais, coqueiros, bananeiras e abacaxis nativos lembram bem este tipo de ilha tropical. A 50 metros da casa, sardinha de graça, ê maravilha”. E a carta se encerrava com o filho acalmando a todos. Estava sendo muito bem tratado pela mulher. “ Fiquem tranqüilos, eu não fugi, eu estou aí.”
Glória aos pais que cuidam assim, que conservam assim a história dos filhos.
                                                      FERNANDO BRANT.

Um comentário:

Elda (Arte da Elda) disse...

Beloni, sou sua colega no curso Armário de Lembranças. Acessei o link que você deixou lá no AVA e que achado! Amei o seu blog e já estou te seguindo.
Caso queira conhecer o meu, fica o convite.

Lindo texto que você partilhou com seus leitores, cheguei a me emocionar. Mais uma vez senti muitas saudades de meus pais.

Um abraço.
Boa semana.
Elda.
Blog Arte da Elda